sábado, 19 de janeiro de 2013
UMA FITA DE COWBOYS DESCRITA PELA PLUMA DE SOEIRO PEREIRA GOMES
Soeiro Pereira Gomes nasceu na freguesia de Gestaçô (Baião) no dia 14 de Abril de 1909 e faleceu em Lisboa (com 40 anos de vida) a 5 de Dezembro de 1949. Filho de camponeses, mudou-se com a sua família para Espinho, onde viveu entre os 6 e os 10 anos de idade. Estudou em Coimbra, onde completou o curso da Escola de Regentes Agrícolas. Esteve em Angola um ano e, de regresso à Metrópole, fixou-se em Alhandra, vila onde trabalhou, como administrativo, numa conhecida cimenteira. Foi aí que começou a escrever para os jornais e a colher matéria para os livros que, um pouco mais tarde, publicará : «Esteiros» (1941), «Engrenagem» (1951) e «Contos Vermelhos» (póstumo). O primeiro deles, considerado a sua obra-prima, foi dedicado «aos filhos dos homens que nunca foram meninos» e é uma vibrante denuncia da miséria e das injustiças a que são submetidas as crianças de uma vila (na qual se reconhece Alhandra), obrigadas a trabalhar numa fábrica de tijolos, numa idade em que deveriam ir à escola. É neste seu romance que o notável escritor (e militante do Partido Comunista Português) Soeiro Pereira Gomes descreve um raro momento de lazer dos seus pequenos e sacrificados heróis, que assistem a uma fita de cowboys :
«Aproximava-se o momente culminante em que o herói ia defrontar o chefe dos bandoleiros. Os rapazes mexiam-se nas cadeiras, sustinham a respiração. Gaitinhas roía as unhas e, sem saber porquê, tomava partido pelos bandidos, ao contrário de Saguí, que não desfitava o cowboy. Este descia a rua, em cuja esquina estava o outro, de revólver em punho. Mais um passo, e era a morte certa... Saguí, angustiado, pôs-se de pé na cadeira e soltou um berro, que se ouviu em todo o cinema : -Cuidado Macacoi, que ele tá na esquina ! -Logo após, palmas e assobios reboaram na sala, porque o bandido fora dominado. E o miúdo sorriu-se por ter avisado a tempo o Cavaleiro sem Medo». /////////////// Justamente considerado como um dos grandes nomes da literatura neo-realista portuguesa, Soeiro Pereira Gomes viveu na clandestinidade para se furtar à repressão salazarista, que ele combateu com destemor. Grande fumador, morreu com cancro pulmonar, sem poder recorrer à medicina, devido à sua condição de lutador da sombra. Está sepultado em Espinho. Na campa deste saudoso escritor nortenho, uma lápide lembra : «A tua luta foi dádiva total».
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